Quem finge no poema ‘Autopsicografia’, de Fernando Pessoa?
Autopsicografia
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente
E os que lêem o que escreve
Na dor, lida, sentem bem
Não as duas que ele teve
Mas só a que eles não têm
E assim, nas calhas de roda
Gira, gira a entreter a razão
Este comboio de corda
Que se chama coração
[...]
Fernando Pessoa
O autor não coloca o poeta na posição de mentiroso, mas como alguém capaz de se colocar no lugar de outra pessoa, confundindo-a com uma dor própria.
Na segunda estrofe do poema, o eu lírico se volta para o leitor e afirma que este não sente a dor inicial (verdadeira) nem a dor imaginária descrita, nem ao menos a dor que ele próprio sente, mas sim aquela que não possui, ou seja, a dor produzida pelo processo de fingimento artístico.
